quarta-feira, 30 de junho de 2010

António Pinheiro - Era preciso aprender a semear dentro de mim

Sentados à lareira, onde sempre nos encontramos a contar as histórias da nossa vida, por tudo o que passamos, trabalhar por aqueles campos, também passeamos, não havia ninguém, todos nós, juntos, trabalhávamos, cultivávamos, sobrava sempre um bocadinho de tempo para nos sentarmos mais ao fim da tarde, quando já nada se via cá fora, acabava-se o trabalho, então aí sentávamo-nos, e começávamos a falar das coisas, passávamos dias bons, dias maus, mas sempre a cantarolar, a trabalhar, e tudo aí deixamos ficar, já partimos há muito tempo, e o que falávamos, continuamos aqui a falar, tivemos a sorte de todos nós, nos aqui encontrarmos, foi muito bom, tudo falei aquilo que passamos, nos serviu de lição, e dá para ensinar aos outros, que o trabalho não faz mal a ninguém, preciso é sabe-lo aproveitar, que uns dias dá, outros dias não, é como as sementes que nós deitávamos à terra, haviam alturas que dum lado para o outro nós gritávamos, era bonito, e chamavam-nos: hei António! Já semeastes? Respondia sim, mas o dele nascia mais rápido, o meu muito mais fraco, e perguntava porque seria, se eram as sementes, uma é melhores que as outras, ou a terra ainda melhor que a doutra, nada disso, o que era melhor era o que um tinha, era a semente da alma era melhor que a minha, custou-me muito a entender, e por todo o tempo sofrer, não me adiantou tanto trabalhar e semear, pouco colhi, e neste lugar tive que aprender a lição que nunca soube entender, de semear para colher, de dar para receber, a semente era boa, era preciso aprender a semear dentro de mim, para depois a semear aos outros, como era o valor da semente, se dentro de mim ela era fraca, o semeá-la continuava igual, assim fui aprendendo com o meu amigo, ele semeava e colhia, e eu semeava e nada tinha, aprendi então, que para ter valor a semente, eu tinha que a semear primeiro dentro de mim, para depois pode-la repartir pelos outros, assim neste lugar onde me encontro aprendemos todos a lição das sementes, e foi assim que tudo se passou, e que nada, nada resta daquilo que deixamos, só o presente conta para lembrar o que vós podeis fazer, a semear, semeai as sementes dentro de vós, para do outro lado as podeis semear e colher os frutos que delas podem sair. Orai.

Falai um pouco de vós, quem sois e onde vivestes, só por curiosidade e a época.

Era uma terra de poucas famílias, começaram muitos dos que lá moravam a partir para outras cidades, temos poucos, os que partiram nunca mais voltaram, os que ficaram, ficamos, vivemos, e partimos, continua a ficar sem ninguém, terras deram e de lá saímos, e agora nos encontramos no lugar onde estamos a pedir.

Qual o teu nome querido irmão, como te chamavas?

António.

E qual era a tua terra? Se já lá passamos?

Já, muitas vezes, muitas vezes, é lá um cantinho, um cantinho.

Onde é, que é?

Por ela passaste, já lá vão muitos anos, nem nunca imaginaste, foi uma terra que de lá vieram, e de lá trouxeram lembranças e passados que ainda hoje recordas, quando passas por essas terras.

Mas agora estou com curiosidade, qual é o nome da terra?

Águas Santas, Carreiros.

Águas Santas, Carreiros perto da Granja?

É, sobes.

Querido irmão o que é que fazias, só trabalhavas na lavoura?

Trabalhei, eu só trabalhei, mas tive família que vos deixei, contudo trabalhei e granjeei, eles dividiam-se, o trabalho deles e com um pouco que deixei, eram tantos para dividir que nada dava para tanta gente, tudo queria um bocado, tinham fraca semente alguns, e eu parti ainda com as raízes dessa semente, nunca me deixaram libertar dela, partimos agora.

Chegastes a conhecer-me a mim ou algum familiar, meu? Porque eu tive também lá um familiar que trabalhou na lavoura que eu não conheci.

É, António. Conheci a ti, ainda eras pequeno, eras pequeno, o teu pai era trabalhador, a tua mãe também.

E eras António, e qual era o outro nome? António quê?

Pinheiro. Éramos os Pinheiros.

Pertencias então, ou melhor dizendo eu pertenço à tua família?

Pertences.

Então quem és tu?

Avô, avô António.

E a avó como é que se chamava?

Há minha Margarida! Margarida tanto sofreu.

Margarida?

Era bonita, era a minha Margarida.

Mas Margarida não era também a mãe do meu pai? Era, que morava em Baguim.

É, deixamos ficar para ti a semente para semeares, semeias como tens semeado e com os teus braços retira e manda-as chegar para traz todas aquelas sementes que não são boas, segue o teu cultivo e não deixes aproximar do teu campo essas sementes furadas, e ora, muito como tens feito, nós te ajudamos. A cada acção, novas sementes.

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